quinta-feira, 23 de maio de 2024

Experiência Com Poesia No Hospital Psiquiátrico

 

Experiência Com Poesia No Hospital Psiquiátrico

 

Meu nome é Luciana do Rocio Mallon, sou escritora e sempre me interessei por assuntos ligados à saúde mental.

Em meados dos anos 90 eu precisava fazer um trabalho para o curso de Letras da UFPR, que deveria envolver Literatura e saúde mental.

Então escolhi o tema: A Importância da Poesia Em Pacientes Psiquiátricos. Pois eu gostava do trabalho da psiquiatra, Nise da Silveira, que usava a Arte como ferramenta para tratar pacientes com transtornos psicológicos.

Para realizar a pesquisa de campo fui até a um hospital psiquiátrico e escolhi pacientes mulheres, dentre elas duas se destacaram nas minhas pesquisas.

Assim apelidei uma de Rosa e a outra de Sereia.

Esses apelidos também servem para preservar a privacidade delas.

Relatei os fatos mais interessantes com cada uma abaixo:

1 – Rosa:

Apelidei a primeira paciente, que tive contato, de Rosa porque ela gostava de flores.

Na sua ficha estava escrito que ela sofria de Esquizofrenia e teve o comportamento piorado depois de ser vítima de um estupro coletivo nos anos 70.

Seu passatempo era cuidar das flores do jardim do sanatório.

Até hoje lembro desse trecho de uma conversa, quando perguntei:

“- Por que você gosta de cuidar de flores?

Ela respondeu:

- As flores conversam comigo. Além disso, elas são as pontes que me levam para conversar com um único homem que não é mau: o fundador desse sanatório. Aliás, ele está enterrado debaixo das roseiras e o espírito dele sai, pelas madrugadas, para conversar comigo.”

Assim, achei essa história fantástica porque pesquiso lendas urbanas desde criança.

Após a conversa, pesquisei sobre esse hospital na Biblioteca Pública e descobri que, há cem anos, o fundador realmente foi enterrado no jardim do local, fato que era normal para a época.

Com a paciente, Rosa, trabalhei poemas com flores e ela escreveu:

“ Violetas não são apenas violetas porque podem ser azuis, roxas e brancas

Rosas não são apenas rosas porque podem ser vermelhas, carmins, beges e amarelas

Seres humanos são humanos e podem ser de todas as cores.”

Realmente, esse poema foi fantástico. Pois de alguma maneira fala de igualdade étnica e racial.

2 – Sereia:

Apelidei a segunda paciente com a qual tive contato de Sereia porque ela cantava e compunha muito bem.

Em sua ficha estava escrito que ela parou no sanatório porque teve problemas com dependência química e sofria de Transtorno Bipolar. Além disso, ela tinha uma deficiência na perna que fazia a moça mancar.

Lembro de uma conversa especial que tive com ela:

“- Quando você descobriu que tinha o dom para a Música?

Ela respondeu:

- Eu sofria bullying desde o jardim da infância por ser gordinha, ter os dentes grandes e possuir deficiência em uma das pernas. Então um dia a minha prima, que morava na mesma casa, deixou o piano aberto. Dessa maneira me sentei no banquinho e notei que cada nota tinha um som diferente. Assim como eu ouvia muito rádio, tentei juntar as notas que tinham os mesmos sons das músicas e acabei tirando as canções de ouvido ao piano. Na adolescência, meu padrasto abusou de mim e por isso fugi de casa. Como ninguém quis dar emprego para mim porque eu tenho deficiência, fui morar nas ruas, onde acabei abusando de drogas e álcool.”

Porém um dia ela pegou o violão e me mostrou uma composição que fez com a seguinte letra:

“ No quarto escuro e fechado não sou prisioneira

Porque ele me protege

Lá fora a liberdade é ilusória

Porque cortam asas da mulher

Homens dizem que mulheres são anjos

Mas cortam suas asas

Homens dizem que mulheres são pássaros

Mas cortam suas asas

Elas mesmas fogem para gaiolas

Para fugirem dos homens.”

A letra dessa música é pura Poesia feminista.

Hoje esse hospital psiquiátrico não existe mais. Pois foi demolido.

Porém essa experiência me fez refletir sobre a saúde mental das mulher principalmente da mulher que sofre abusos.

A Arte é uma excelente ferramenta para amenizar as dores da alma. Porém uma sociedade justa ainda é a melhor solução.

Luciana do Rocio Mallon

 

 


 

 

 

 

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